segunda-feira, 15 de abril de 2024

O gerente e o mendigo. Conto by LdeM . Abr24

 

 


 

Conto


        O gerente e o mendigo


        I


    A vida prega peças. Não tenha dúvidas. Pode acontecer com qualquer um. Pois aconteceu com o Roberto quando seguia para o motel com Adelaide Maria, sua amante. Chegou na BR e, antes do Shopping, deixou fechar o sinal, passou direto e, de repente, atropelou Fabio da Silva, um andarilho.


    O que uniu três pessoas tão diferentes e distintas num destino assim trágico? Ao som de uma MPB, eis Roberto todo animado com as coxas morenas de Adelaide Maria e... passou o sinal. Um corpo surgiu do nada, na margem da rodovia, e se abateu contra o para-brisa. 


    Por que, por que comigo, meu Deus? Agora Roberto se lembrava de Deus. E também da esposa Laura e dos filhos Beto Jr e Raul, dois pré-adolescentes.


    Adelaide Maria deu um grito, mas não desmaiou. O carro parou bruscamente. Se ele acelerasse, passaria esmagando o homem moreno ali no capô do carro de marca japonesa. Desligou o rádio e olhou ao redor.


    Luzes piscantes…. Placas, nomes, setas, proibições… Faróis cegantes… Moitas e ramagens lançando sombras na pista...


    Seria boa ideia parar ali e prestar socorro? E chamar polícia e ambulância? E se o homem fosse um delinquente, um foragido? E se Laura ficasse sabendo? E os meninos? Vergonha e vergonha.


    Adelaide Maria já queria ir embora. Desaparecer no nada. Todo o tesão já era. Ela estava matando aula na faculdade (ela queria ser advogada...) em plena noite se sexta-feira. Sextou, né, querido! Vem me ver....


    Para a esposa Laura, o gerente Roberto inventou problemas de agenda e reunião na sexta-feira... Senão o pessoal marca para sábado... aí é pior né...


    Mas de onde aparecera aquele mendigo moreno e sujo que destruiu aquela transa de sexta-feira? De que caminhos obscuros ele surgiu na rodovia na entrada do shopping? Será um anjo disfarçado de gente? Uma provação divina?


    Dia de bonança e dia de tempestade. Tem dia em que brilha raios e ecoa trovoadas e nem uma gota de chuva. Tem dia que você nem percebe e está tudo molhado. 



        II


    O mendigo não estava morto. Com a cabeça contra o para-brisa, ele seguia desacordado. Roberto não sabia o que fazer. Olhou para o céu por um impulso. Nenhum olho o olhava.


    Roberto chamou um carro para Adelaide Maria. A moça de repente ficou muda de pedra. Então melhor que ela seguisse logo para o apê no São Pedro.


    E depois ligou para Laura, outro gesto automático. Explicou brevemente que acontecera um acidente na rodovia. Alguém atropelou ali um mendigo. Laura não deu muita atenção. Hora da novela. Se ele dissesse que ele é que tinha atropelado.....


    Um carro chegou para levar a pobre Adelaide Maria. Ela nem olhou pros lados. O homem no carro por aplicativo era um moreno sem cabelos. Não perguntou nem olhou. Estando atrás não deve ter visto o corpo ali na frente.... Boas noites e sumiram na noite de sexta-feira. 


    Roberto ficou ali com o mendigo ou andarilho ou peão de obra... vá se saber. Olhou nos bolsos.... uns trocados e papel rasgado e identidade borrada. Uma foto desbotada. O homem fora batizado Fabio da Silva. De onde?  De BH? Não. De Betim. 


    Mas na camiseta do homem estava uma estampa de uma loja do Barreiro. Será que ele viera desde lá? Enquanto pensava, Roberto puxou e carregou o homem... tão magro tão raquítico... até o carro... nos bancos de trás.... desacordado. 


    Alguém teria que chamar a polícia ou levar o cidadão até um hospital.... até ao Santa Efigênia.... uma viagem. Descer tudo aquilo que ele subira há pouco. E que trânsito!


    Sextou e com drama. Roberto resolveu levar o homem para um hospital. Fazer uma caridade de Bom samaritano. Roberto, o bom cristão. Ele não era? 


    O homem desacordado não cheirava bem. Suas roupas não eram de todo sujas mas longe de serem limpas. Pode ser que ele tenha trocado as roupas sem um banho antes.... um banho só de sábado ou domingo…



        III


    O homem chamado Fabio da Silva só acordou quando passaram a Contorno e seguiam para a zona hospitalar. Numa freada num sinal vermelho, o homem gemeu e acordou. O quê? Onde estou?


    Roberto parou perto de um ponto de ônibus e desceu para abrir a porta e falar com o estranho. Você estava desmaiado na BR.... Estou levando você ao hospital.


    Desmaiado? Fui é atropelado? Quem me atropelou? O homem Fábio da Silva se sentou com dificuldade. Dor de cabeça e dores nas pernas. Com o susto, e o impacto, parece que mordeu a língua.


    Roberto começou a desanimar com aquele impulso de chegar ao hospital. Teria que dar nome e explicação. Por que se envolver? Por que não deixar o tal Fabio da Silva ali na parada de ônibus?


    O homem se ergueu para sair do carro e Roberto nada fez para impedir. Ali em plena Avenida Brasil, no meio da noite de sexta-feira, ele precisaria se livrar daquele homem pária na cidade e no mundo.


    Vindo de onde e voltando indo para onde? O homem chamado Fabio da Silva estava andando, com uma outra pausa, desde o Barreiro. E o homem seguia até o Shopping. E depois voltaria? Andava assim em círculos ou à deriva? 


    Fabio da Silva estava ali cabisbaixo e com dor de cabeça. Roberto fechou o carro e perguntou se Fábio aceitava uma notas para pagar um ônibus. Um lotação vinha chegando. Fábio acenou negando. Nem olhou para o ônibus lotado que chegava. Pessoas se levantaram. Ao lado, uma propaganda de cerveja.


    Quem era Fabio da Silva? Quem era Roberto? Um andarilho e um gerente se encontravam no trânsito da cidade grande. Ali, numa parada de ônibus na Avenida Brasil, não sabiam como desatar este nó…


    Roberto queria deixar as notas no bolso do andarilho e sair dali o quanto antes. Fabio da Silva nem sequer lamentava seu destino. Por que ainda vivia? Por que ainda sofria naquela cidade? De onde viera aquele homem de carro chique ? Ele é que teria atropelado? Por que não passou logo por cima?


    Fabio da Silva queria andar. É o que ele fazia bem. Sem rumos. De Betim a Contagem. Da Cidade Industrial ao Barreiro.  Do Barreiro ao Shopping.  E depois voltar....


    Outro ônibus passou e Roberto só queria ir embora. Teria que inventar uma bela história para Laura. Chegar tarde e à toa. Lembrava-se de Adelaide Maria indo embora no carro por aplicativo. 


    Hora de ir embora. Fique com Deus. Roberto se ouvindo dizendo. Aí foi a vez de Fábio da Silva olhar com visível desagrado. Seu olhar dizia Que Deus? O Deus que me abandona? O Deus que deu a você este carro? Afinal, no vidro estava um adesivo Presente de Deus.


    Outros adesivos. Guiado por Deus. O sangue de Jesus tem Poder. Sou de Jesus. Até parece que o Criador é sócio de concessionárias.... O gerente não pensava muito nisso. Tinha trabalho... trabalha muito... um bom emprego... bom salário. Merece um carro assim. Ou não? Deus traz a prosperidade.


    Para o cidadão sem lar, chamado Fabio da Silva, Deus era um injusto. Dava carro para uns e casebre de papelão para outros. Deus injusto? Não. Deus não havia. Roberto via que o homem não tinha crenças. Nem posses nem ambição. O andarilho não tinha onde cair morto. Por que não aceita as notas?


    Roberto sentia vergonha de seu carro. E de suas mentiras de sexta-feira. E de quarta-feira. E tantos outros dias. Quanto tempo ele mentia? Quantas noites nos braços de Adelaide Maria? Uns seis meses? Sim...


    Quando Roberto olhou para o lado o homem chamado Fabio da Silva não estava mais lá. Outras pessoas seguiam na alameda. Qual delas seria o andarilho? De súbito, passou um ciclista…. Luzes e postes e anúncios… Parecia um cenário de filme.


    Roberto decidiu não ir atrás. Tinha feito o que podia. Fabio da Silva continuaria andando e andando. E a cada passo mais próximo da Contorno e do Belvedere e do shopping e do anel rodoviário e do Barreiro. 


    Roberto ligou o carro. Lá dentro o cheiro de suor e roupa molhada. Agora percebia que o limpador de para-brisa estava torto. Precisava deixar o carro numa oficina. Dar uma geral. Passaria o fim de semana em casa com a família. Nem pensaria em ligar para Adelaide Maria.



Abr24 


Leonardo de Magalhaens

poeta, contista, crítico literário 

LdeM Literatura Agora! canal YouTube 

 

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terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Poética enquanto uma voz de Sabedoria . Antes que a lua enfarte. BH 2024

 







sobre Antes que a lua enfarte [2024]

obra poética de Rogério Salgado 



Poética enquanto uma voz de Sabedoria 



Introdução



    A Poesia vem a ser uma voz ancestral que se manifesta em coletivo e num contexto. Somente com o avanço da civilização, e o processo de individuação e de introspecção, passou-se a um fenômeno pessoal de leitura silenciosa. Toda poesia era coletiva e performática. Muitas vezes ligadas aos cultos de magia e fertilidade. A voz do Poeta era a voz de um ancião, um sábio, um xamã, um eleito dos deuses.


    O Poeta enquanto Sábio, enquanto doador da Sabedoria, é a figura viva de um líder místico, a trazer verdades de um mundo além, cheio de revelações. A pessoa do poeta enquanto xamã é marcada pela maturidade, pela idade avançada e pela experiência acumulada. A voz da experiência se derrama sobre a audiência de neófitos, os inocentes do conhecimento, ainda cheios de expectativas, presas fáceis do destino – já domado pelo Sábio.


    Arte para o artista é criação a partir de si mesmo – tecendo teias de palavras, acumulando matizes de cores, moldando formas novas – e, no caso do poeta, do cantor, do escritor, é criar uma voz peculiar, marcante, estilosa. Mesmo a escrever sobre o passado, o finado, o desfeito, sua força criativa na vivacidade – esforço novo pela re-criação, inovação, surpresa, ir-além de expectativas.


    Assim, o poeta e crítico literário britânico Alfred Alvarez [1929-2019], em seu The writer's voice [A voz do escritor], defende que "escrever é literalmente uma arte viva e também criativa. Simplesmente não acontece de os escritores 'pararem, inertes, como um espelho da natureza', criando assim uma imitação da vida; o que criam é um momento da vida em si." [2006, p.19]


    A voz de sabedoria do Poeta atua como um testemunho da passagem do tempo, diante do processo de maturidade, que exige um olhar para trás, onde desfila o passado, que precisa ser recuperado após uma introspectiva 'busca do tempo perdido' como encontramos nas obras dos romancistas Machado de Assis e Marcel Proust, e também do memoralista Pedro Nava, que ousaram resgatar o 'tempo perdido' transmutando-o em criação literária.


    Ao comparar as escritas e as obras de Machado e de Proust, o crítico literário Paulo Venâncio Filho, em seu Primos entre si, aponta a questão do tempo, a passagem do tempo, como um dos componentes principais da estrutura.


    "Entre o tempo que agimos e o tempo que pensamos, entre o tempo que vivemos e o tempo que recordamos, existe um descompasso, um desnível vivencial. A vida é rápida e curta, o pensamento lento e infindável; como se houvesse um desajuste entre a vivência e o tempo, somos ultrapassados por nós mesmos. O passado é uma construção de equilíbrio precário. [...] Cada vez mais diminui o tempo para que os indivíduos se deem conta dos seus atos, pensamentos e sentimentos. Cada vez mais diminui o tempo do Tempo, o tempo para o Tempo." [2000, p. 102]

 







    Nova obra do poeta Rogério Salgado



    A obra de maturidade "Antes que a lua enfarte", lançada agora em início de 2024, mas escrita em 2022 e 2023, é uma espécie de um "em busca do tempo perdido" do poeta fluminense-belorizontino Rogério Salgado, o "poeta ativista", em suas quatro décadas de carreira jornalística e literária, onde a total sinceridade transborda e deixa confundir obra e autor, escrita e vida.


    É fundamental a consciência da passagem do Tempo enquanto mestre e tutor do Poeta, e o Tempo que confere um peso sobre os versos líricos e profundos dos poemas, assim de um belo poema tal qual "Tempo", que traz uma forma drummondiana, a voz do poeta maduro,


O tempo segue a estrada 

e a gente vai ficando para trás 


nossos cabelos se enevando 

e o frio na alma que aquece a imaginação 

esse cinema que já assistimos 

mas não fugimos de uma nova sessão.


[pp. 52-53]



    O tempo passado, o passado perdido, que é fonte de tristezas e alegrias, remorsos e nostalgias. Mas sem o tempo passado o artista, o poeta não teria experiência para falar de si mesmo e dos outros, todos colegas viajantes no mesmo fluxo do tempo, que arrasta tudo e todos rumo ao futuro.


Há tempos / em que o tempo 

temporariamente volta 


...


Há tempos no meu coração 

coisas que me fazem um pouco triste 

pela certeza que o passado passou

[...]


[Aqueles tempos, pp. 68-70]



    Em sua maturidade biográfica e autoral, o poeta Rogério Salgado alcança a maturidade e a fleuma de um Carlos Drummond de Andrade em sua constatação de que o passado – e aqueles que passaram – ainda estão presentes e vivos nas lembranças cultivadas carinhosamente. Salgado lembra dos amigos e parentes que já partiram, muitos sem sequer se despedirem – em época de pandemia e de desgoverno.


Cada dia que passa incorporo mais esta verdade, de que eles não

vivem senão em nós 

e por isso vivem tão pouco; tão intervalado; tão débil.

Fora de nós é que talvez deixaram de viver, para o que se chama tempo.

E essa eternidade negativa não nos desola.

[...]


[CDA, Convívio, p. 85; in Claro Enigma]




    Assim tal como se manifesta a voz de maturidade a la Claro Enigma, temos a voz politizada, sem ser partidária, de um A rosa do povo, "Este é tempo de partido, / tempo de homens partidos." com um protesto poético contra as desigualdades sociais e as opressões políticas de des-governos genocidas, 


Antes que me enganem 

antes que coturnos andem 

sobre nossas cabeças

não vou esmorecer. 


Não acredito em generais 

muito menos nos animais 

que nos discursam 

mentiras 

verdades para muitos.


[Prece, p. 32]



    O poeta tem esperanças na justiça – seja terrena ou divina – contra os desmandos e descasos públicos e até tentativas claras de desordem política e subversão da ordem democrática, como os eventos de depredação e violência no dia 8 de janeiro de 2023, com o vandalismo dos ‘cidadãos de bem’ avançando sobre prédios da Praça dos Três Poderes, em Brasília DF.


mas a justiça que não é cega

fez escorrer para os cárceres

da história 

multidões alienadas 

que já não podem contar 

com seus deuses de barro. 


[Naquele domingo, p. 25]




    O Poeta não transforma sua poesia em protesto ou panfleto, pois está plenamente consciente dos limites da poética e do trabalho formal de congregar discurso e técnica, a mensagem e os símbolos, sempre imerso em imagens densas e desconfortos existenciais que esperam ser desabafados em palavras urgentes, mas antes talhadas em sua estética,


Versos são imagens do que somos 

ao nascermos novamente 

nas linhas de um poema simples 

como todos os prováveis poemas 

que deixaremos para o futuro 

dos que virão nos ler um dia. 


[Verbo transitivo, p. 47]



    Os limites da Poesia são aqueles da Linguagem – que contornam nossa visão do mundo, emoldurando nossas expressões e deixando muitos ‘ruídos de comunicação’ – que é criação humana e humanamente está sujeita às metamorfoses culturais dos coletivos humanos. A Linguagem não consegue dizer tudo – e a Poesia se esforça na “luta mais vã” para extrair água limpa da rocha. Mil coisas estão fora dos versos e rimas dos poemas, mil preocupações e “o preço do arroz”, mas o Poeta sabe que o poema em si contém seu próprio universo. Sim. O Poema apenas pode falar do poema.



porque no poema cabe muito:

a preocupação alheia 

a necessidade de se doar 

e se fazer irmãos 

numa comunhão com Deus 

não importando se acreditamos ou não.


No poema cabe a humanidade.


[O que cabe no poema, p. 27]

 







Conclusão 



    É assim que, mais do que beleza, os poemas de Rogério Salgado, em Antes que a lua enfarte, trazem Sabedoria. O Poeta tem muito a ensinar e vem compartilhar sua experiência de vida conosco. Sinceridade e verdade sempre em seus versos. O poeta Rogério Salgado é, assim, a voz da Sabedoria numa poética que reescreve e atualiza sua obra literária – para um momento de crise existencial, cultural e política.


    Consciente de sua importância na cena cultural de Belo Horizonte / MG, o poeta Rogério Salgado não brinca em serviço, a sua labuta constante. Ele não perde tempo e não quer confiscar o tempo de leitoras e leitores. Não é seu objetivo contar entre vanguardistas e beletristas. A Poesia não é um beletrismo, de semideuses em ‘torres de marfim’, mas uma ‘mensagem numa garrafa’ que alguns terão a oportunidade de ler. A Poesia é para quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir. A Poesia é para quem merece.


Poesia exige maestria / uma regência orquestrada /

com partituras verbais / e muitas notas musicais / 

burilando o que será escutado / numa sinfonia silenciosa. 

[Sinfonia silenciosa, p. 19] .





Jan24



Leonardo de Magalhaens 

Poeta, contista, crítico literário 

Bacharel em Letras FALE / UFMG 

Canal Youtube LdeM Literatura Agora! 


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Referências 


ALVAREZ, Alfred. A voz do escritor.

trad. Luiz Antonio Aguiar. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2006.


ANDRADE, Carlos Drummond. Claro Enigma.

São Paulo: Companhia das Letras, 2012.


____________ . A rosa do povo. 46 ed.

Rio de Janeiro: Record, 2022. 


SALGADO, Rogério. Antes que a lua enfarte

Belo Horizonte: Vereda, 2024.


____________ . Poeta Ativista. Belo Horizonte:

RS Edições, 2015.


VENANCIO FILHO, Paulo. Primos entre si.

Temas em Proust e Machado de Assis.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.



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terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Literatura e Psicologia. Persona e Sombra in 'O Médico e o Monstro' e 'Dorian Gray'





Literatura e Psicologia



Conceito de Sombra


Ego, Persona e Sombra


Integrar a sombra

 

Obras literárias: O médico e o monstro [R. L. Stevenson] e 

O Retrato de Dorian Gray [O. Wilde]


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    Na psicologia analítica de C.G. Jung encontramos os conceitos de Ego, Persona e Sombra. O que pensamos ser e o que esperam que sejamos e o que é reprimido ou reprimimos em nós mesmos.


    A uma luminosa Persona se contrapõe uma obscura Sombra arquetípica. Não somos inteiramente bons nem totalmente maus.


    Os mais bondosos externamente reprimem desejos internos no processo de repressão e recalque. Basta ver clássicos da literatura tais como ‘O médico e o monstro’, de Robert L. Stevenson e o ‘Retrato de Dorian Gray’, de Oscar Wilde.


    Em 'Dr. Jekyll e Sr. Hyde' encontramos um médico bondoso e prestativo oculta seus impulsos socialmente inaceitáveis até formar uma personalidade alternativa e que se destaca perigosamente. Ou, em 'O retrato de Dorian Gray', o jovem elegante Dorian Gray que deseja conservar sua beleza, enquanto se entrega aos prazeres e vícios , desde que um retrato 'absorva' seu lado sombrio.

 





    A suposta perfeição da Persona projeta uma Sombra que muitas vezes é rejeitada e reprimida. Acontece que tal repressão causa mais resistências íntimas e o que precisa ser compreendido é ocultado a gerar uma outra faceta da personalidade.


    O indivíduo sabe que é incorreto o uso da bebida alcoólica e em sociedade é moderado, e até abstêmio, mas, às ocultas, bebe garrafas e até chega à embriaguez e coma alcoólico.


    Assim, o ideal não é sufocar ou rejeitar a Sombra, mas compreender tal lado sombrio e tentar reintegrar. Um uso moderado de bebidas alcoólicas é melhor do que fingir ser abstêmio e depois beber às ocultas com sentimento de culpa.


    Obviamente que nem toda Sombra pode ser reintegrada. Um sujeito com tendência à vingança ou violência não pode aceitar tal lado sombrio por questões pessoais e sociais e criminais.


    Uma pessoa violenta pode tentar extravasar a agressividade com uso de práticas desportivas ou artes marciais, mas não deve se envolver em brigas ou portar armas.


    A Sombra pode ter aspectos manifestados de modos diversos com aproveitamento ou autossabotagem. Vejamos a dupla da DC os inimigos viscerais Batman e Joker / Coringa. O Batman projeta sua sombra como um justiceiro, muitas vezes violento, mas sem ser homicida proposital. Já o Joker é uma Sombra ambulante do caos e descontrole de uma mente sem unidade, mas que se dissocia em violência gratuita e auto-mutilação.


    Para aceitar e integrar a Sombra é preciso compreender porque tal faceta existe: drama familiar, conjugal, trauma? E depois tentar moderar os extremos e integrar os opostos deste ser fragmentado em personalidades que se tornam personagens de romance gótico. 


    Integrar a Sombra envolve trabalho de análise e terapia, e profundo conhecimento de si mesmo, para uma psique completa e funcional, e não cindida e em sofrimento. 

 

 

Dez23







Referências




FREUD S. Beyond the Pleasure Principle. 1920. Além do Princípio do Prazer. 1980.


_________ . The Ego and the Id. 1923. O Eu e o Id. 1980.


JUNG, C.G. Memórias, Sonhos e Reflexões.  Trad. Dora Ferreira da Silva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.


________ . O Eu e o Inconsciente.  Trad. Dora Ferreira da Silva.  Petrópolis: Vozes, 2008.


STEVENSON, Robert Louis. O estranho caso do Dr. Jekyll e o Sr. Hyde. trad. Marsely de Marco. Cotia: Pandorga, 2022.


WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Graytrad. Otavio Albano. São Paulo: Lafonte, 2020.






Leonardo de Magalhaens


poeta, contista, crítico literário

Bacharel em Letras FALE / UFMG







bônus :::: 



artigo sobre O médico e o monstro in

LdeM Leitura e Escrita


http://leoleituraescrita.blogspot.com/2010/03/sobre-o-medico-e-o-monstro-dr-jekyll-mr.html




artigo sobre Dorian Gray in Meu Cânone Ocidental


http://meucanoneocidental.blogspot.com/2011/02/sobre-o-retrato-de-dorian-gray-de-oscar.html


http://meucanoneocidental.blogspot.com/2011/02/sobre-o-retrato-de-dorian-gray-22.html




Vídeo no canal Youtube LdeM Literatura Agora!


https://www.youtube.com/watch?v=toTMPuooTrA





 

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